O Fórum de Energias Renováveis de Roraima está promovendo um amplo debate a respeito da construção da Hidrelétrica do Bem Querer, no rio Branco, município de Caracaraí em Roraima. Técnicos, políticos, ambientalistas, especialistas e sociedade civil, de uma forma geral, estão participando do debate e emitindo opiniões para que o Fórum possa formalizar sua posição em relação ao empreendimento.
O cientista e doutorando do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, Lucas Ferrante, é um dos atores que se posiciona contra a construção da UHE do Bem Querer. Para ele, trata-se de um caso que precisa ser olhado com toda atenção técnica possível, primeiro porque todas as hidrelétricas na Amazônia têm se demonstrado inviáveis do ponto de vista econômico e demonstram que esse tipo de geração, do ponto ambiental, é muito nocivo.
Lucas explica que o Inpa tem vários estudos que demonstram esses impactos e no que tange a Bem Querer, os malefícios podem ser ainda mais catastróficos e potencializados, embora existam falas, “inclusive de um senador”, discutindo hidrelétrica e afirmando que são meios sustentáveis de produção de energia.
“Isso é uma falácia do ponto de vista técnico e é só uma mentira que tem se propagado. Isso precisa ficar bem claro, pois todos os estudos do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia demonstram que a geração de energia por hidrelétricas, além de não corresponder a estimativa de geração de energia, uma vez que há longos períodos de estiagem na região, ainda causa o dano ambiental, que é muito maior do que se estima. Isso com vários exemplos de hidrelétricas no Amazonas, Pará e Roraima”, esclarece.
Lucas Ferrante afirma que há dois grandes problemas na Hidrelétrica de Bem Querer. O primeiro é que ela vai gerar muito menos energia do que se promete e o segundo é que o dano ambiental que vai ser causado é muito maior do que se estima.
O cientista explica que um desses problemas é o acúmulo de metilmercúrio (que é comum acumular em lagos de usinas hidrelétricas) e que irá contaminar todo o abastecimento de água de Roraima, tornando basicamente o suprimento inadequado para o consumo humano. “Isso é algo muito grave e nós sabemos que hidrelétricas na Amazônia tendem a acumular metilmercúrio e este é um dos grandes problemas, que pode levar a uma grande propagação da Síndrome de Minamata no estado que é causada pela ingestão de metilmercúrio. Por conta dessa hidrelétrica, tende a aumentar concentração de metilmercúrio no lençol freático e também afetar o abastecimento da população”, destaca.
Segundo Lucas, muitos não estão dando muita atenção a esse problema, mas ele tem que ser considerado, porque o custo disso, em relação ao tratamento de água, será muito maior do que o custo de geração de energia.
“Nós temos hoje no Brasil outras formas de gerar energia de maneira muito mais limpa, que é a energia solar e a eólica. Do ponto de vista ambiental e do ponto de vista econômico a hidrelétrica do Bem Querer é inviável e ainda afeta drasticamente a população de Roraima, que não pode se deixar levar por falas políticas. Nesse momento deve se apoiar em estudos técnicos e o INPA é um dos maiores institutos e que tem vários estudos técnicos sobre a avaliação do impacto de hidrelétricas, principalmente apontando esse acúmulo de mercúrio que tende a afetar o abastecimento de água de todo o estado de Roraima”, ressalta o cientista.
Para ele, tem que ser considerados os estudos técnicos e essa obra tem que ser muito bem avaliada. “O Ministério Público tem que estar atento a uma tentativa de tornar viável essa hidrelétrica, que do ponto de vista econômico e ambiental é inviável e pode causar um dano muito maior do que os benefícios que ela tende a trazer. Nós precisamos lembrar que, normalmente, a construção de hidrelétricas na Amazônia gera uma renda muito grande para as empreiteiras e para determinados agentes que participam das obras da construção, mas para a população em geral e para a população local serão apenas problemas. Então, o retorno para população é muito baixo e apenas quem lucra com a construção de hidrelétrica na Amazônia são determinados grupos de empreiteiras. Isso precisa ser falado para que não haja um grande dispêndio de verba pública, afetando toda a população e não resolvendo o problema energético de Roraima. É importante ressaltar que a ideia de que hidroelétricas são sustentáveis e economicamente viáveis como tem apresentado o governo federal são uma falácia, os relatórios e artigos científicos sobre isso são extensos, não podemos nos deixar levar por um discurso político e eleitoreiro ser considerado como se fossem dados técnicos”.
O cientista Lucas Ferrante afirma que a sustentabilidade que vem sendo discutida no Fórum de Energias Renováveis de Roraima deve ser levada em consideração. “Deve-se defender um movimento para produção de energia limpa no Estado de Roraima e de forma sustentável. Isso deve ser considerado e o projeto da hidrelétrica vai contra as prerrogativas de desenvolvimento sustentável que o estado tem se pautado. Hidrelétrica não pode ser considerada sustentável e uma produção de energia limpa dentro do ponto de vista ambiental ao se considerar vários estudos técnicos, tanto por conta dos grandes problemas causados pela inundação, o acúmulo de metilmercúrio, como também emissões de gases do efeito estufa, afetando as mudanças climáticas que acabam tendo um ciclo negativo até sobre a precipitação daquela área onde a hidrelétrica está situada, diminuindo o regime de chuvas e causando uma diminuição ainda maior da geração de energia daquela planta”.
Lucas espera que o Ministério Público avalie a questão de maneira muito especial, pois essa hidrelétrica tem um potencial enorme de não resolver os problemas de falta de energia do Estado, como também de causar uma catástrofe ambiental em proporções gigantescas. Esse assunto, de acordo com o cientista, tem que ser tratado de maneira muito séria no Fórum de Energias Renováveis de Roraima e estar sobre a atenção do Ministério Público Federal.
Lucas Ferrante é autor de diversos estudos científicos que abordam a viabilidade econômica e ambiental de grandes empreendimentos na Amazônia nas maiores revistas cientificas do mundo, como Science e Nature.
Várias de suas pesquisas foram premiadas em congressos nacionais e internacionais. Nesta última semana, em uma entrevista a O Globo, Holden Thorp, o editor chefe da revista Science, um dos maiores periódicos científicos do mundo fez menção da excelência da pesquisa realizada por brasileiros, utilizando como exemplo uma publicação de Ferrante.
Por Nei Costa